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Mostrando postagens de junho, 2022
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  O guri era bonito. Dizia ter um nome estranho: Kafka. Tinha os olhos castanhos. Foi o que Eneida me disse folheando um exemplar do Castelo.   No seu tornozelo a tatuagem: metamorfose. Não é possível saber ao certo o que se passa na cabeça de uma pessoa que vive na rua quando começa uma conversa fazendo menção a Kafka. Presumi  porquê cargas d’água alguém, no início da manhã resolveu escolher um Cristo, no caso, eu, para torturar. Essa daí, toda semana, resolve passar aqui, inventando histórias. Tudo bem, disse para mim mesmo, vamos em frente. Ela falava que era uma pessoa sem graça. Kafka tinha graça. Perturbadora. Silenciosa graça sem graça. Uma graça literária. Eu não queria ouvir falar a respeito de Kafka. Segunda-feira! Já bastava o trabalho.   Mas continuava ouvindo Eneida falar sobre o Castelo, num palavreado de rua. Ela morava num daqueles cinturões de favelas do norte da cidade. Se não tinha atenção logo dizia: Erga os olhos deste conto e veja o que acontece perto de
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  Um acidente Na hora em que Ivan freou o seu D20 nenhum outro carro passava na rua do prédio. Nenhum motociclista tirava um fio de um pedestre na beira da calçada. Nenhum aposentado passeava por ali com seu cãozinho de estimação. Quase todas as janelas dos apartamentos estavam fechadas.   As poucas árvores que restaram da especulação imobiliária faziam parte da paisagem seca. E não havia   pássaro que se arriscasse a começar um ninho naqueles dias feios. O vento sibilava como num filme de terror. Ivan enchia a cara de cerveja e afundava o pé no acelerador do carro. Ouvia uma voz a lhe perguntar: Para onde é que eu vou? Marina, a vizinha do mesmo prédio, chegava de uma viagem. Surpreendeu-se com a freada do carro em cima dela. Dias atrás ela havia descoberto a traição dele com a morena do prédio ao lado. A mulher ‘oficial’, digamos assim, nem imaginava que Ivan fazia, por fora, as dele. E essa traição   amedrontava aquele cara de pau, o seu vizinho. “Era só uma escapadinha de
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  O tempo da história                                                                                              Mara Paulina Arruda   Quem são os sujeitos históricos de 2022 ? Hannah Arendt,1975, diz que “ Tudo que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que pode ser discutido”           Refletir sobre o que estamos fazendo e como estamos enfrentando as mudanças ocorridas no mundo pós-pandemia é um exercício salutar.  Esse exercício mostra que na educação e na cultura a aprendizagem se dá na constituição dos interesses. Mas para que isso aconteça é necessário a convivência e o diálogo.   Quando a convivência é dialógica e livre entre sujeitos históricos e sociais, dá-se então a relação expressa pela democracia na medida em que é histórica e socialmente constituída. A esfera do social é considerada fundamentalmente na relação com o outro. E é no contexto das relações sociais que a constituição do sujeito acontece, ocorrendo a história das intera