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Mostrando postagens de novembro, 2021
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  Binóculo Algum dia, anos atrás,  minha mãe pediu para fazer uma fotografia de binóculo.  Ficamos nós três: meu irmão mais velho, eu no meio, e meu irmão mais novo.  No meio dos meus pés uma flor se colocou.  Depois, anos muitos, mirei aquele binóculo e pensei: eis aqui a frase, as palavras e nós.  Pus-me a escrever!
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  A sereia  Na noite seguinte, Dinãrzãd disse à irmã:  “Por Deus, maninha, se você estiver dormindo, conte-nos uma de suas belas historinhas  para que atravessemos o serão desta noite.”                                                                                                                               Sahrãzãd Como se fosse um livro. No corpo, tatuagens. Cada parte uma história. Um nome. Um mapa.  Ele estava numa lanchonete pensando sobre as memórias daquele livro que ele era quando engasgou. Uma espinha de peixe? Não. Transfigurado  pelo que viu. Sentado num banquinho á perspectiva que tinha era a de toda a rua: Carros. Pedestres.   E, além: O mar.  Viu uma sereia  atravessando  a rua. 
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  Sinfonia do Destino A esperança de liberdade é o que nos move nestas instâncias longínquas. A esperança de voltar  á África, uma esperança vã, comovente. O medo, a violência e as suspeitas de um e de outro retumbam nas almas dos negros e mestiços como eu, Elóa . A fé no inefável. Dia de Nossa Senhora do Rosário Lenita fazia cafuné em Osvaldo, Adelina cochichava no ouvido de Maria dos Anjos fuxico dos casais. Na rua as mulheres mais velhas vendiam chás e frutas.   Enquanto uns jogavam capoeira, outros se deitavam com as moças que iriam para a escolha dos senhores no fim da tarde do dia seguinte. Os rebeldes   espiavam o movimento dos coronéis e seus empregados.Tramavam. A senzala, no fim de semana, virava por algumas horas num campo livre em que as mulheres e os homens a noite requebravam as cadeiras para esquecer que seriam vendidos, a única certeza numa luta trágica entre a expressão de uma força subjugadora e a resistência dolorosa. Prisões subterrâneas do corpo e do espí
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  Desterro  Esta é uma história antiga. A história de Eloá que gostava das poesias de Cruz e Souza, poeta negro como eu. A história de Eloá que usou os versos do poeta dizendo serem seus para seduzir Rogério. Floreios, digamos estéticos. O Cruz soube disso e naquele jeito dele deu permissão ás minhas invenções para falar de amor. Ao me entregar um poema ele disse: Filosofia da sobrevivência. Isso aconteceu em Nossa Senhora do Desterro, capital da província de Santa Catarina. Eu era moça. Agora, veja bem: estou aqui com as mãos cheias de nódoas, os ossos aparecendo. Falange por falange, os metacarpos, a pele enrugada, palma da mão calosa, o esforço para registrar essas memórias. O Rogério foi embora com outra e cá estou agradecemos a Deus e a Virgem Maria por me ajudar a transpor as dificuldades na escrita, nas mal traçadas linhas neste caderno. Naqueles tempos a tuberculose era a doença do século. A noite um mal. O vírus espreitava os poetas e os boêmios que gostavam de contar estr