Sinfonia do Destino



A esperança de liberdade é o que nos move nestas instâncias longínquas.

A esperança de voltar  á África, uma esperança vã, comovente. O medo, a violência e as suspeitas de um e de outro retumbam nas almas dos negros e mestiços como eu, Elóa . A fé no inefável.

Dia de Nossa Senhora do Rosário

Lenita fazia cafuné em Osvaldo, Adelina cochichava no ouvido de Maria dos Anjos fuxico dos casais. Na rua as mulheres mais velhas vendiam chás e frutas.  

Enquanto uns jogavam capoeira, outros se deitavam com as moças que iriam para a escolha dos senhores no fim da tarde do dia seguinte. Os rebeldes espiavam o movimento dos coronéis e seus empregados.Tramavam.

A senzala, no fim de semana, virava por algumas horas num campo livre em que as mulheres e os homens a noite requebravam as cadeiras para esquecer que seriam vendidos, a única certeza numa luta trágica entre a expressão de uma força subjugadora e a resistência dolorosa. Prisões subterrâneas do corpo e do espírito.

O burburinho da natureza.

 O vento assobiando nos vãos das janelas das casas de madeira e as folhas das árvores rodopiando no ar prenunciaram mudanças. Nuvens preparavam-se para descarregar as águas contidas.  Fuzuê. Quando viram que não havia mais jeito desandaram a correr puxando as crianças e aos gritos, correram de um lado para o outro. O vento açoitou o espaço. A procissão que faria parte deste dia especial nem tinha começado e o tempo implacável destruiu a festa de um grupo de cativos. A imagem de Nossa Senhora do Rosário foi guardada. 

Correndo para a senzala, no meio do grupo João da Cruz e Souza tinha no colo um negrinho, meu filho que aos prantos pedia por mim.

Ouvi Cruz e Souza me chamar e, em seguida, recitar:

"A canção de cristal dos grandes rios

Sonorizando os florestais profundos,

A terra com seus cânticos sombrios, 

O firmamento gerador de mundos."


Imagem: Jean-Baptist Debret

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