Desterro
Esta é uma história antiga. A história de
Eloá que gostava das poesias de Cruz e Souza, poeta
negro como eu. A história de Eloá que usou os versos do poeta dizendo serem
seus para seduzir Rogério. Floreios, digamos estéticos. O Cruz soube disso e naquele jeito dele deu permissão ás minhas invenções para falar de amor. Ao me entregar um poema ele disse: Filosofia da sobrevivência.
Isso aconteceu em Nossa Senhora do
Desterro, capital da província de Santa Catarina. Eu era moça. Agora, veja bem: estou aqui com as mãos cheias de nódoas, os ossos aparecendo. Falange por
falange, os metacarpos, a pele enrugada, palma da mão calosa, o esforço para
registrar essas memórias. O Rogério foi embora com outra e cá estou agradecemos a Deus e a Virgem Maria por me ajudar a transpor as dificuldades na escrita, nas mal traçadas linhas neste caderno.
Naqueles tempos a tuberculose
era a doença do século. A noite um mal. O vírus espreitava os poetas e os
boêmios que gostavam de contar estrelas, causos, fazer poemas e jogar capoeira. Eu também corria
o risco de ser infectada pelo bacilo
tubérculo. Gostava dessas reuniões. A sorte e a
proteção divina fizeram com que Dr. Ricardo Reis me acudisse na hora exata. Ele
estava de passagem na cidade e cruzou o meu caminho.
Logo solicitou exames, prescreveu medicação correta e o meu
encontro com ele e com Cruz e Souza ficou gravado no meu coração. Até hoje lastimo não ter tido um novo encontro fugaz, que fosse, e me desse à oportunidade de
fazer um agradecimento a esse Doutor tão prestativo. Quando tive disposição para procurá-lo soube que
tinha embarcado no navio de volta para Portugal.
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