Sinfonias
do Corpo
Mara
Paulina Wolff de Arruda
Desde
a criação do mundo o homem imigra. Como
ave procurando um novo abrigo, procurando fazer outros ninhos ele sai do seu
ambiente á procura de um novo mundo onde possa viver melhor. A imigração é um
fluxo contínuo no mundo. As guerras, questões políticas, falta de trabalho,
questões ambientais, violação dos direitos humanos são elementos que movem o
ser humano na aventura do desconhecido.
Desde
o século XV com a crise da Monarquia, a revolução republicana, os anos
da Grande Guerra e o Estado Novo de Salazar situações históricas trazem os imigrantes
portugueses para o Brasil.
Em
1961, com vinte e dois anos, o soldado Silvério Ribeiro da Costa saiu do
Regimento da Infantaria n.01, nos arredores de Lisboa, em caminhões do
exército, com destino ao Caís de Alcântara. No NIASSA, num transatlântico a serviço
da ditadura salazarista ele embarcou para servir o seu país, Portugal. Apinhados
nos porões do transatlântico os soldados seguiram para lutar contra negros
angolanos.
Após
vinte e seis meses combatendo em Angola o poeta voltou para casa e reiniciou a
vida. Correspondeu-se com Helena, uma moça do Brasil. Em 1963 foi
para o Rio de Janeiro, na casa de seus tios. Em janeiro de 1965 Silvério,
dentro de um ônibus, segue para o interior de Santa Catarina. Na estadia visita um Frigorífico onde estavam
instalando um sistema de comunicação telegráfica e ele, sendo
radiotelegrafista, é convidado para trabalhar na empresa. Onze meses depois se
casa com Helena.
Nascido
em 1939, na terra de Fernando Pessoa e de José Saramago, na Aldeia Valbom,
norte de Portugal, o poeta Silvério
Ribeiro da Costa chega ao Brasil com experiências vividas no além-mar; o rio
Tejo, as plantações de oliveiras, as
construções medievais e uma profunda saudade do tempo feliz que não viveu estão
junto dele nas suas palavras. Testemunho das atrocidades da guerra transferiu
esse olhar crítico, racional e dramático da vida para o seu trabalho poético.
A
filósofa María Zambrano diz que não há escritor descompromissado. Há
inconscientes, pois a ideologia atua, sobretudo, através de esquemas de
trabalho não conscientes. Ela vem da práxis-social e estabelece modelos de
trabalhos históricos. E o mais irrenunciável para a poesia é a dor e o
sentimento: por isso a poesia mantém a memória das nossas desgraças. Para a
poesia, nada vence a morte, a não ser –momentaneamente - o amor.
“A poesia quer reconquistar o sonho primeiro, quando
o homem não tinha despertado na queda; o sonho da inocência anterior à
puberdade. Poesia é reintegração, reconciliação, abraço que une o ser humano
com o sonho de onde ele tinha saído, apagando as distâncias.[1]”
SINFONIA
DO CORPO
A sinfonia de teu corpo
Invadiu os meus sentidos, fazendo-me despertar.
Nas asas do teu corpo, quero voar!
Por
que escrever? O ser humano se comunica para escapar à morte e para dar um sentido à
vida, disse o filósofo Chul Han. Diante da dramática experiência bélica o
poeta procura, investe no “correio sentimental”, linguagem epistolar para
recomeçar, criar um novo sentido á sua vida.
CONFISSÃO
Nada mais me resta,
após a morte do corpo,
que não seja o mundo da incomunicabilidade,
do
esquecimento,
da
não memória,
do
absurdo...
onde tudo é cego, e surdo, e mudo,
onde reina a lei do silencio e do vazio mais sisudo:
onde tudo flutua
em estado de coma permanente
nos (des) caminhos do Todo Impotente.
É nesta
região,
Onde os ecos se perderam,
que quero
descansar
meu nada,
ininterruptamente.
A
literatura faz girar os saberes. O poeta publica as impressões de vida para iluminar os seus caminhos numa poesia
pós-guerra. O EU consciente das circunstancias. Redefine-se o poeta na
escrita intermediária-vida-morte; morte-vida-, numa forma de esquecimento voluntário. O poeta melancólico tem
no realismo ficcional a procura da humanização que ele esteve prestes a perder,
num tempo de dor, em Angola. Então a
poesia é fuga e procura, requerimento e espanto; um ir e voltar, um chamar para
recusar; uma angústia sem limites e um amor estendido.[2]
ABSORTO
Hoje não me viste,
embora tenhas
passado por mim.
Onde estariam
teus olhos?
Silvério
Ribeiro da Costa publicou treze livros de poesia, dois de literatura infantil e
uma autobiografia. Ensinou Literatura Brasileira e Língua Portuguesa no CNEC durante
trinta anos. Participou de diversas Antologias poéticas e se correspondeu com
escritores do mundo num tempo em que a carta era escrita manualmente. Faz parte
da União Brasileira de Escritores e da International Writes and Artists
Association, EUA. Seus poemas foram
traduzidos para o esperanto, francês, espanhol, inglês e italiano.
REENCONTROS
Os domingos
São meus domingos
De encontro
Com Dostoievski,
Clarice, Pessoa,
Bandeira e Drummond;
Não domingos
De solidão,
Ou que quer que seja,
Mas domingos
Em que a paz impera
E a emoção viceja!
Antônio
Cândido, 1988, fala da humanização como organização das emoções e da visão do
mundo. Processo que confirma no homem o exercício da reflexão, aquisição do saber, boa disposição para com o próximo, afinamento das emoções, capacidade de penetrar nos problemas da vida,
senso da beleza, percepção da complexidade do mundo e dos seres, cultivo do humor.
Conheci
Silvério Ribeiro da Costa em 1992 participando da IV Antologia “Autores de
Chapecó” e participando da ACHE- Associação Chapecoense de Escritores- criada
por ele, Alfredo Bays, Pedro Alberice, Afonso Martini e outros poetas. Participando
de projetos como ‘Poemas nos Ônibus’ e movimentações culturais na cidade de
Chapecó ele reinventou a si mesmo e educa para a cultura da arte literária há
mais de quarenta anos.
Chapecó
é uma cidade que fica no oeste catarinense. Fundada por imigrantes italianos, o
monumento ‘O Desbravador’ feito pelo artista Paulo de Siqueira denomina a
cidade. O comércio da Agroindústria de carnes de suínos e aves é a principal fonte geradora de trabalho e renda na região. Para
a publicação dos seus livros Silvério Ribeiro da Costa recorreu aos empresários
de forma independente das grandes editoras.
Ninguna herida es um
destino, disse Boris Cyrulnik.
A
Poesia do desejo é parte da dramaticidade moderna. Na sensibilidade daquele que faz tem um saber
social e sua ferramenta de conhecimento e comunicação é a linguagem. Os
assuntos relacionados á sua vivência português-brasileiro estão em pauta nos
livros que ofereceu á comunidade
chapecoense. Os poemas falam de desejo, medo, sexo, amor, política, invisibilidades, fazem graça e
ironia com as desventuras humanas. Sua escrita por vezes poema, por vezes
aforismo.
ETERNIDADE
No provisório das coisas
está a eternidade
delas mesmas.
Diante
da realidade crucial da pandemia, COVID-19, pararam as reuniões literárias, os
encontros para discutir uma nova Antologia, correspondências postadas no correio, caminhar
ao sol, o cafezinho no meio da manhã com os amigos. Helena e Ramiro são a sua família
e proteção. Assim como sua produção literária. A história de sucesso dele é uma
das muitas dos imigrantes que moram no Brasil. As publicações e prêmios são preciosidades destacadas no novo mundo ao
qual Silvério Ribeiro da Costa aportou.
Livros
publicados:
POESIA
Retalhos
da Existência. Edicon. 1989
Retratos,1991
Sinfonias
do Corpo. FCC. Fundação Catarinense de Cultura. PMC. João
Scortecci editora. São Paulo: 1993
Percalços
da Vida e outras Chatices Gostosas. João Scortecci,
editora.São Paulo:1995
Fogueiracesa.
Edição própria. Gráfica Cometa. Chapecó, SC: 1999
Poemas
Líricos e outros poemas com Torres Pereira e Agostinho
Duarte, 2000
Rapsódia
de Espantos, 2005- UFSC
Trilhos
Cruzados (20 e tantos anos de Poesia!) 2010- Argos
Memorial
do Medo (Vivências de um ex-combatente) Edição própria.
Chapecó, SC: 2013
Infantil
Utensíliopoesia
2001
O
Gato que sabia latir, 2006
A
Folha Vaidosa, 2019
Periódico
Jornal
Sul Brasil – Fronte Cultural- Chapecó, SC
Lançamento da
4ª Antologia “Autores de Chapecó”
24/08/1992. - PROSOPOEMAS DISPERSOS
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