O geógrafo sonhador




Há muito tempo havia um geógrafo que  tinha mil e um sonhos. A cada noite ele sonhava com uma rua. De modo que não se repetiam as ruas e nem os sonhos. Morria numa rua desconhecida e renascia na rua cujo  nome estava gravado na história.  Por diversas vezes acordou  na rua onde já havia passado em plena hora acordado.

Desprezava os que falavam mal dos sonhos que ele tinha. Mostrava, com gosto, os mapas do seu imaginário; Avenidas, ruas, lugares.  Filosofava ao explicar o motivo de uma cidade ter sido fundada. Apontava para lugares do passado em que havia campos com árvores sexagenárias, roupas esvoaçando no varal e carroças dirigidas por quem levava e trazia os alimentos.

O que lhe incomodava não eram os sonhos e, sim, a vida secreta que cada sonho continha.  

No verão um detetive chegou, inesperadamente, num  sonho. Investigou as noites do sonhador ao modo de Georges Simenon. Para o experimente geógrafo  não tinha cabimento essa especulação. Que ele fosse investigar Marc Chagal, René Magritte, esses sim, tinham de sobra segredos para serem investigados, mas ele...

O fato é que o detetive descobriu que num dos sonhos desse experiente geógrafo   a homenagem á uma rua denominada com um nome masculino era, na verdade, de uma ilustre personagem feminina. Com certeza um equívoco disse perplexo o detetive.

 As controvérsias de gênero. 

Corria a década de 1940. Como não havia parentes para conferir  a inauguração dessa rua tudo  ocorreu normalmente. Discursos, aplausos, políticos e populares fizeram parte do evento. Acontece que, no ínterim da inauguração, o investigador foi ver os arquivos no cartório, confirmar os dados nos amarelados documentos e os registros das pessoas moradoras daquele lugar distante. Mexe aqui, mexe acolá  encontrou uma corrente de ouro em que estava gravado o nome real desta rua.  Não deu outra: O nome da rua deveria ser o de uma personagem feminina chamada Augusta Maria de Souza e Soares! O nome Augusto Mario de Souza e Soares fora grafado erroneamente.  Oh Deus! Ele disse e disseram os que sabiam do caso daquele sonho. Mil vezes Oh Deus!O mais incrível deste sonho foi que essa rua era a rua aonde a avó do sonhador nasceu.

Acertados os documentos ele olhou de soslaio para o detetive. Indicou um assessor para que corrigisse aquele lamentável equívoco. Ouviu o canto de pássaros ao longe e o burburinho do rio.

Então, no outono, o sonho se repetiu e foi possível fazer uma nova inauguração da dita rua. Outra placa substituiu aquela. Outros discursos foram proferidos. A banda municipal se apresentou e as crianças dançaram no meio da rua um bolero de Ravel. Foi publicado nos jornais pedido de desculpas do geógrafo.

A memória não se dissipa no tempo. E a verdade fica a espreita aguardando a hora derradeira disse o investigador.

 

 

 

 

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