O  triângulo amoroso

 


Tarde de inverno. Estávamos em frente da casa amarela. Esquentava os pés no pouco de sol que atravessava a rua. Havia tirado os sapatos e com as meias a mostra  lagarteava.

David foi se achegando. Tinha os óculos pendurando no pescoço. Chegou para contar um conto passado, visto por ele. Ele tinha gosto em contar dos assobios dos outros. Enfatizou que esse conto era de um triangulo amoroso composto por Joel, Maria Eulália e Emanuehl. Um triângulo amoroso vivido em Buenos Aires. Trazia embaixo do braço um livro de Jorge Luís Borges.

Consta em sua árvore genealógica que o seu bisavô paterno atravessou o sudeste do país transportando em lombos de mulas café e charque. De tanto ouvir histórias, vagava pelo mundo dos personagens. Naquele dia caminhou de um lado ao outro interrompendo os raios de sol que esquentavam os meus pés.

Falou de Maria Eulália, uma mulher elegante como um jardim Francês. Que a conhecia desde criança. Falou das inúmeras vezes que a defendeu dos gabirus da escola. Estudou com ela na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Uma paisagista bem sucedida que estagiou com Roberto Burle Marx.

Em seguida falou de Joel, um arquiteto excêntrico, um dos revolucionários da construção civil, naquela região.  Um sujeito sempre muito ocupado, anotando em sua prancheta os detalhes que seus clientes pediam nas reformas estrambóticas que aceitava fazer.

 David lembrou de Vincent Van Gogh para falar de Emanueh, um colecionador. Ele havia desabotoado o paletó.. Um colecionador incomum, a bem da verdade, mas um deles. David contou que a obsessão que ele tinha de colecionar orelhas vinha de tempos anteriores a esta vida.  Não tardou e começou a soprar o vento vindo do norte. Quando percebemos estávamos sob uma noite estrelada.

Então, David convidou-me para assistir o desenlace do triangulo amoroso composto por Joel, Maria Eulália e Emanuehl.

Dirigindo uma caminhonete, relíquia de outro colecionador, rodou por diferentes caminhos. Passamos pelas feiras de rua, jardins comunitários, muros grafitados, parques e avenidas. Mostrou-me prédios ao estilo Art Nouveau até chegarmos ao prédio minimalista, envidraçado na parte frontal. No vigésimo andar deste prédio os encontramos pondo suas pendengas na mesa as quais eles estavam acorrentados. Nos rostos dos personagens sinais de cansaço.

Maria Eulália folheava uma revista de modo automático. Emanuehl tinha os cenhos cerrados e um olhar fulminante sobre nós. Joel, encostado na beira da janela, adulava um gato amarelo.

David tirou do bolso uma carta. A carta tratava da separação de Maria Eulália com Emanuhel. Joel espichou o pescoço.

Emanuehl caminhou pelo apartamento. No bolso do seu terno uma bainha guardava um pequeno punhal. Desembainhando o punhal a lâmina reluziu quando ele passou em frente da janela. 

 David, o investigador, não saberia dizer se estava em Buenos Aires ou numa cidade do interior do brasil. Abriu o livro. Procurou aonde foi que ele se perdeu.

Os três começaram a falar ao mesmo tempo.

Emanuehl mantinha o punhal em vertical.  Após uma discussão cerrada entre eles um período de silêncio foi quebrado quando ele segurou bruscamente Maria Eulália. E num impulso cortou a orelha direita dela. Tirada a orelha ele examinou com uma lupa. Em seguida passou para um microscópio. Por fim, ajeitou-a num scanner aproximando a imagem no seu notebook.

Nenhuma gota de sangue Maria Eulália derramou. Ela colou a mão no rosto e correu de um lado ao outro na sala gritando: o que você fez o que você fez o que você fez!  

Percebi que os outros personagens também foram saindo. David me disse que eles não tinham mais nada a fazer ali.

Ficamos nós dois no meio da sala sem saber o que fazer. Davi, então, convidou-me para voltar. Abriu a porta.  No fim do corredor o gatinho  miou. Chamei-o. Ele se perdeu de minha vista ao dobrar o corredor.

Ao descer a escada perguntei novamente sobre o fim dos personagens daquele conto. David disse que Maria Eulália casou-se com um francês. Mora perto da casa onde os historiadores apontam como a casa do poeta Leopoldo Legornes. Sobre Joel, disse que pouco sabia, mas que, possivelmente, continuava arquitetando moradias e relacionamentos.  Quanto a Emanuehl, o cruel, rancoroso e apaixonado colecionador de orelhas foi preso. Pagou fiança. Mudou de cidade e, possivelmente, mora numa fronteira do país. Por certo secando nas paredes as orelhas que ele coleciona. Procura por outras mulheres para continuar a sua coleção.

            O sol começou apontar no horizonte.

David assobiou uma canção folclórica e fechou o livro.

 

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