Eu fico pensando no Abaporu
O Abaporu de Tarsila do Amaral, um ser antropofágico, no escaldante sol do nordeste
passou por mim, deu uma rabanada e sumiu.
Com a cara preguiçosa, pôs a cabeça na
parede da casa de barro que ele morava. Ouviu. Ouviu. Ouviu. Nada ouviu. Deu
uma risadinha e disse que o som da água, naquela tarde estava longe. Mas era certo que dali, daquela parede, ele ouvia a água
chegando. Por meio de mensagens telepáticas vindas das nuvens e dos que
convivem com elas ele podia saber quando elas escorriam no meio dos cômodos da
singela casa dele.
Sendo índio ele precisava da água para ajudar a enterrar o
avô que ele pôs de cócoras numa urna funerária. Por isso não pode falar comigo com calma. Por
isso. Era urgente umedecer a pele enrugada do avô senão iria secar e os
espíritos precisam de umidade e de frescor. Toda a aldeia estava a procura de
um olho d’água.
Já dizia minha mãe: não podemos nos entregar para os
Paraguaios. Um dito antigo, dito popular bem humorado para citar uma tragédia
comparável com a nossa tragédia do dia a dia.
E por falar nela, a minha mãe, vou te contar que ela lia cartas de Tarô. Benzia. Incorporava santos e dava passes nas mulheres e homens desprovidos do amor. Ela mesma foi.
Tadinha dela. Tadinho do Abaporu. Tadinho
de todos nós que podemos ficar sem água
se continuarmos nessa.
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