Eu fico pensando no Abaporu

 Mara Paulina Arruda



O Abaporu de Tarsila do Amaral, um ser antropofágico, no escaldante sol do nordeste  passou por mim, deu uma rabanada e sumiu.

Com a cara preguiçosa, pôs a cabeça na parede da casa de barro que ele morava. Ouviu. Ouviu. Ouviu. Nada ouviu. Deu uma risadinha e disse que o som da água, naquela tarde estava longe.  Mas era certo que  dali, daquela parede, ele ouvia a água chegando. Por meio de mensagens telepáticas vindas das nuvens e dos que convivem com elas ele podia saber quando elas escorriam no meio dos cômodos da singela casa dele.

Sendo índio ele precisava da água para ajudar a enterrar o avô que ele pôs de cócoras numa urna funerária.  Por isso não pode falar comigo com calma. Por isso. Era urgente umedecer a pele enrugada do avô senão iria secar e os espíritos precisam de umidade e de frescor. Toda a aldeia estava a procura de um olho d’água.

Já dizia minha mãe: não podemos nos entregar para os Paraguaios. Um dito antigo, dito popular bem humorado para citar uma tragédia comparável com a nossa tragédia do dia a dia.

E por falar nela, a minha mãe, vou te contar que ela lia cartas de Tarô. Benzia. Incorporava santos e dava passes nas mulheres e homens desprovidos do amor. Ela mesma foi. 

Tadinha dela. Tadinho do Abaporu. Tadinho de todos  nós que podemos ficar sem água se continuarmos nessa.

 

 

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