Coração por um fio
(Mara Paulina Arruda)
Cheguei na casa do Senhor Manoel da Costa. Muito conhecido na região por ser
escritor. Escreveu poemas. Trovas, contos e se arriscou num romancezinho que
conta da paixão por Lucélia.
Lucélia morreu em Paris.
Ela era pintora. Viajava com marido de
férias e teve um mal súbito. Suas últimas palavras foram “ Sempre lembrarei do meu
primeiro amor”
As rachaduras nas
paredes, o teto pronto para desabar, os vidros das janelas quebrados. Na
cozinha um fogão enferrujado. O quintal totalmente abandonado, o mato beirando na
escadinha que dava na porta. Essa era a casa em que Manoel e Lucélia se amaram.
O setor imobiliário de
olho nesse pequeno monumento ofereceu para mim. Quando era criança estive no colo dela. O corretor de imóveis se surpreendeu ao ouvir as minhas lembranças. Lembro da casa, do dia do adeus e do fim dos dias quentes. Era inverno quando eles se separaram. A neve, naquele fim de tarde tinha deixado branco o jardim e Manoel chorava lágrimas geladas. Na
época não soube distinguir a dor deles.
Depois de caminhar pelas ruínas, verificar os malefícios do tempo, dizer ao corretor imobiliário que precisava ir embora, o coração estava por um fio. Um fio em que um pássaro pousou.
Ao nosso lado, numa cadeira, um velho datilografava um poema
“Imaginei-me com um balde
no céu todo estrelado
colhendo as mais
brilhantes
cantando cantigas sem
cercado
Imaginei-me colocando as
estrelas
Num envelope bem lacrado
Enviando a minha amada
Uma luz, um encanto
A ela nunca mandado
Imaginei sua imaginação
Ao abrir o envelope
Iriam uma a uma
Estrelas de mãos dadas
Beijar sua fronte
Com meu nome gravado”
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