O homem é necessariamente um fabulador

(Mara Paulina Wolff de Arruda)


 

        

Michelangelo Merisi conhecido por Caravaggio, 1571-1610,  observava as pessoas nas ruas de Roma para pintar seus personagens cinematográficos. Num tempo em que a fotografia não existia a pintura era o único registro e o pintor deveria fazer esse trabalho trazendo a imagem próxima da realidade. Pinturas religiosas, de luta com expressões que beiram  a dor, a angústia, o medo, a crueldade, aos conflitos humanos. 

Em 1600 Caravaggio pintou Narciso. Essa pintura retrata um jovem bonito e vaidoso apaixonado pelo próprio reflexo. Observação realista do mestre  barroco  mostra alguém que ama a si mesmo como acontece no nosso tempo em que o status da rede social é o nosso Narciso.

A literatura contemporânea está em crise, diz  Byung-Chul Han,2023. O mundo das plataformas sociais acabou com a escrita, com as histórias contadas uns aos outros e com a ideia de tradição fabular.

Perdemos a paciência para estar a escuta ou para narrar. O excesso de estímulos, informações e impulsos  das redes sociais destroem nossa atenção, desvia os interesses particulares  ao ponto de deixar praticamente tudo  na superfície, sem espaço para o aprofundamento.   

Nosso tempo, nossa atenção, nossas emoções, nossos sentimentos esvaziam-se, extraviados, num mundo desconhecido. O olhar longo, lento e demorado de leitura se perdeu. 

O  importante não é o conhecimento, e sim, a informação. O que é importante não é a reflexão, mas a bobagem, o ridículo, o que provoca likes que não precisa de nenhuma narrativa, mistério ou encantamento.

A visão crítica se perdeu no emaranhado de  “seguidores”, na arrogância e vaidade. Cansado de si o narcisista chega ao ápice. Esse narcisista  fugaz,  efêmero vive a substituição de conceitos, de marcas, de trabalho, “do que está em alta” da fama do outro exposto à uma loja mercantil transparente.

No   'A Salvação do Belo'  Byung-Chul Han  diz que o que pode nos salvar é a resistência e, sugere, retornarmos à convivência humana. Rompermos com a casa mercantil  e voltar novamente a uma casa “de festas”.  Mas não é uma simples casa é uma casa  onde os deuses estejam presentes e onde valha mesmo a pena viver.  Festas e rituais abrem acesso ao divino, ao cosmos, a poesia.

 

 

 

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