Olhos de peixe
(Mara
Paulina Wolff de Arruda)
Ilha
onde tudo se esclarece
Apesar
dos encantos a ilha é deserta
E
as pegadas miúdas vistas ao longo das praias
Se
voltam sem exceção para o mar.
(Wislawa
Szymborska)
Vivo na beira do mar. Junto aos pescadores. Meu pai, um deles. Do nada foi embora. Nem deu adeus. Simplesmente fechou um olho e com o outro, estralado, tombou ao lado da mesa. Tentamos fechar aquele olho, mas não teve jeito.
No mar dos mortos está.
Ele conhecia cada palmo dessa imensidão
de água salgada que rodea a nossa ilha, sabia o que quer dizer a altura das
ondas e as sinuosidades do vento sul, conhecia o percurso das tainhas e a
música cantada pelas minhas parentes, as sereias. Foi um trabalhador do mar. Desconfiado. Casmurro.
Um tal Daniel, esquisito, de vez enquanto
vinha aqui sussurrar nos ouvidos de Vanice
Vanice, minha mãe.
Dizem que sou desbocada. Debochada. Não
tô nem aí! Piercing na língua. Tatuagem
nos braços. Conheço o mar, as algas, o percurso dos cardumes. Já vi muitos rabos de baleia.
Moro no Ribeirão da Ilha
Quando vou para o centro da cidade me assusto com as mudanças das lojas, as caras novas que andam nas ruas e tipos de restaurantes que servem peixes, mariscos, polvos, frutos do mar, seres da minha existência.
Me perco
entretida com as novidades, com o jeito violento dos transeuntes e motoristas. Ao me deparar
com essa gente comercial volto correndo para o meu cantinho.
Fiquei com a caixa de pesca dele. Os
anzóis, as redes, a preciosa parafernália que ele foi juntando no percurso do
tempo.
Esse era o ritual dele: Acordar cedo,
ascender o fogão a lenha, fazer café. Ah, esse saudosismo! Ele, arrastando
o barco para lançar no mar, nos
primeiros raios de sol. Eu, acenando pra
ele.
A casa ficou triste. Novos hospedeiros
foram adentrando nos livros, nas paredes e nos móveis. Uns cupins desgraçados
que vieram não sei de onde infiltrando tudo o que nos restou
No mês passado Vanice chegou do engenho
falando de uns homens de uma imobiliária. Daniel veio junto. Souberam dos
cupins e, "para nos ajudar", queriam comprar a nossa casa que fica bem perto da
praia, do ladinho do trapiche onde aquele pescador, chamado por mim de pai, um
dia me pescou.
Meu nome é Capitu Moraes e Silva. Minha vida é resistir!
Meus olhos oblíquos são descendentes da
outra Capitu que está nas letras.
Comentários
Postar um comentário