Iara
(Mara Paulina Wolff de Arruda)
Um terço da tribo de Iara caminhou pelo rastro do rio Uruguai até chegar na serra catarinense onde eles tinham ouvido falar que era um lugar rico em sementes.
Nessas andanças ela, ainda pequena, segurando a mão do pai, geógrafo de sua tribo Kaingang sonhava com um lugar onde houvesse fartura. Cresceu entre araucárias. Aprendeu a subir nas árvores, derrubar pinhas, separar os pinhões e vende-los no centro do vilarejo com seus parentes. No que cresceu ficou vistosa.
Quando o coaxar dos sapos e o tartarear dos papagaios silenciavam ela deitava-se na esteira e conversava com seus mortos.
Um dia foi capturada por meu avô, imigrante alemão. Ele enamorou-se dela: cabelos escorridos, olhos pretos, cheiro de folhagem e rio. O que foi sabido foi que a escolha deu-se por ela conhecer o rugido do leão baio e de outros seres da floresta protegendo meu avô da ferocidade selvagem. Teve quatro filhos e quatro filhas. As meninas ela doou para famílias de fazendeiros da região. Os meninos encaminhou para o trabalho pesado junto ao pai que era lenhador e taipeiro.
Sua casa era rodeada de árvores. Acompanhava as estações: Cada mudança do tempo uma flor, um fruto ou folha nos cabelos. Se ficava triste cantava um hino kaingang trazendo os espíritos dos seus pais junto de si.
Nas paredes de fora da casa pendurava
feixes de hortelã e outros chás aromáticos para as necessidades da comunidade.
Ao iniciar uma
fogueira chamava as crianças, distribuía doces e contava histórias que o vento trazia.
Antes de morrer ensinou as filhas a fazer chás, unguentos e
outros remédios caseiros com plantas cultivadas no quintal de sua casa. Com o tempo os filhos cresceram e espalharam-se
noutras aldeias repetindo os ensinamentos ancestrais.
Dia frio e chuvoso, na vasta extensão
territorial ouviu-se um canto: Iara disse em kaingang alguma coisa (seria uma revelação?) no ouvido
do gato; fechou os olhos para nunca mais
abrir.
Foi velada numa igreja católica.

Comentários
Postar um comentário