Minha mãe e Brigitte Bardot

Mara Paulina Wolff de Arruda

 


As  atrizes Jane Fonda, Brigitte Bardot, Sophia Loren, Catherine Deneuve  marcaram os anos de 1960 a 1980, um tempo transitório entre a submissão e a libertação da mulher. Um tempo que a ideia de celebridade se iniciava  através do cinema e da TV  influenciando mulheres  mundo afora. Elas rasgaram certidões de casamento, viveram questões sexuais, políticas e comportamentais, interromperam as vidas vividas exclusivamente ao marido e outras regras patriarcais.

Lembro-me do dia que a TV chegou á nossa casa. Minha mãe pôs sobre o aparelho uma toalhinha de crochê. Esse objeto que trazia o mundo para dentro da nossa casa, no interior de Santa Catarina,  um luxo naquele tempo. Ver telenovelas, assistir programas de entretenimento e a transmissão da viagem do homem á lua foi, de fato, um divisor na vida de todos.

Talvez, por causa da TV, talvez por causa do cinema, talvez  por que  a vida não para de nos surpreender com a aquisição da TV minha mãe e outras tantas mulheres  separaram-se  interrompendo a vida dedicada ao mundo famíliar. O mundo, de repente, ficou pequeno diante da imensidão do universo que o televisor e o cinema  ampliaram nas suas telas. 

O cinema no Brasil foi aos poucos se tornando um divertimento que todos poderiam ter. Cresci assistindo mulheres independentes, passando pelo processo de libertação, interrompendo, se assim o quisesse, os estigmas e as ordens; essa era a nova regra humana e feminina. Aprendi com o cinema, aprendi com a TV novos modos de se relacionar, de agir, de perceber e entender a vida.

 Minha geração é a que pensa e age como superar  as  condições de vida que minha mãe teve e que, diante da sociedade machista que pouco mudou, infelizmente, o feminicídio ainda existe, pode ter esperanças e luta em favor da sua independência.

  Cresci vendo-a enfrentar inúmeras situações machistas. Vi-a lutar com todas as suas forças para  manter-se com dignidade tal qual o novo modelo era construído por  mulheres desconhecidas  com  propriedade e  voz. A representação possível de ser  real.

No dia 15 de março do ano de 2022 encontrei-a numa cama de hospital totalmente diferente daquela mulher  bonita, decidida e guerreira, cheia de hipérboles que admirei. Não era ela.  No entanto, a enfermeira e minha filha disseram que sim, ali estava a Maria, minha mãe.  

No dia seguinte cheguei cedo ao hospital. Queria confirmar, mais uma vez. Na minha cabeça era possível um engano. A troca do quarto... Inventei mil desculpas. No entanto, no quarto 317, Maria, minha mãe, estava lá.  Magra, respirando com ajuda de aparelhos, o corpo sobre a cama erguida, a pele seca, as veias machucadas por procedimentos médicos, os cabelos brancos sem coloração.

Conversei com ela, fiz-lhe um carinho e rezei com ela. Lembrei-me de uma música  que a vi cantar muitas vezes. Cantei e vi seu olhar que até aquele momento estava no vazio voltar-se para mim e, em minutos depois, fecharem-se. 

Faz tempo, ela nem soube, mas um dia eu a comparei com Brigitte Bardot. 

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